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O mercado de capitais brasileiro experimentou um notável crescimento nas últimas duas décadas,[1] impulsionado em grande medida pela modernização e fortalecimento de seu arcabouço legal e regulatório. Neste contexto, um dos principais marcos foi a edição da Lei n.º 10.303, em 2001, que fortaleceu, em grande medida, os direitos dos acionistas minoritários nas sociedades por ações brasileiras via reforma da Lei das S.A.[2] e, ao mesmo tempo, desenvolveu e introduziu conceitos importantes para a Lei do Mercado de Capitais,[3] incluindo a noção mais ampla sobre os títulos ou contratos que poderiam ser enquadrados como valores mobiliários.
A transparência das informações divulgadas no contexto de ofertas públicas de valores mobiliários também foi aprimorada de forma relevante como resultado da edição, em 2003, da Instrução 400 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ,[4] que exigiu dos emissores a divulgação de maiores detalhes sobre seus negócios, riscos e perspectivas futuras. Da mesma forma, foi muito importante a edição da Instrução CVM 480,[5] que, em 2009, estabeleceu padrões mais rigorosos para o registro de emissores e criou o formulário de referência, que até hoje é um dos documentos essenciais e de valiosa leitura para aqueles que queiram obter informações detalhadas acerca das atividades do emissor, fatores de risco, projeções e transações com partes relacionadas, entre outros assuntos relevantes.
A criação, em 2000, do Novo Mercado pela B3 (atual denominação da BOVESPA), culminou no estabelecimento de regras dedicadas ao mais alto nível de governança corporativa disponível no Brasil, o que trouxe um nível adicional de segurança jurídica para os investidores, resultando em um aumento do volume de investimento estrangeiro direto no Brasil e, consequentemente, no fortalecimento e maior liquidez do mercado de capitais nacional.
As medidas acima elencadas foram fundamentais para estabelecer uma base regulatória sólida e permitir que as operações conduzidas no mercado de capitais brasileiro quadruplicassem nos últimos 25 anos, conforme estudo divulgado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais – ANBIMA.[6] Além disso, essas e outras ações contribuíram para que, no primeiro trimestre de 2024, a quantidade de investidores pessoas físicas na B3 atingisse a relevante marca de 5,1 milhões em renda variável e 16,3 milhões em renda fixa (a título comparativo, em 2011, a quantidade de investidores pessoas físicas na B3 era de aproximadamente 580 mil).[7]
O registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários é expressamente previsto no caput do artigo 19, da Lei do Mercado de Capitais, assim como no artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei das S.A., sendo, ademais, detalhadamente disciplinado pela Resolução CVM 160, editada pela CVM em 13 de julho de 2022, e que substituiu, além de outras regulamentações, a Instrução CVM 400.
Os registros de emissor de valores mobiliários e de oferta pública de distribuição de valores mobiliários, embora distintos, caracterizam-se pela complementariedade das informações que contêm, de modo que a CVM, salvo por algumas exceções previstas na Resolução CVM 160, apenas apreciará o pedido de registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários para a companhia que mantiver o registro de emissor de valores mobiliários atualizado, já que as informações periódicas são constantemente verificadas pelas áreas técnicas da CVM.
A Resolução CVM 160 disciplina as regras aplicáveis às ofertas públicas de distribuição primária ou secundária de valores mobiliários, bem como à negociação de valores mobiliários ofertados nos mercados regulamentados.
De acordo com artigo 3º da Resolução CVM 160, configura oferta pública de distribuição o ato de comunicação oriundo do ofertante, do emissor, quando este não for o ofertante ou, ainda, de quaisquer pessoas naturais ou jurídicas, integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários, atuando em nome do emissor, do ofertante ou das instituições intermediárias, disseminado por qualquer meio ou forma que permita o alcance de diversos destinatários, e cujo conteúdo e contexto representem tentativa de despertar o interesse ou prospectar investidores para a realização de investimento em determinados valores mobiliários.
Em complemento ao conceito acima, os seguintes exemplos caracterizam uma oferta de valores mobiliários como pública (i) a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos, anúncios ou material publicitário destinados ao público; (ii) a procura, no todo ou em parte, de investidores indeterminados para os valores mobiliários, por meio de quaisquer pessoas naturais ou jurídicas, integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários, atuando em nome do emissor, do ofertante ou das instituições participantes do consórcio de distribuição; (iii) a consulta sobre a viabilidade da oferta ou a coleta de intenções de investimento junto a potenciais subscritores ou adquirentes indeterminados, ressalvada a hipótese de consulta de viabilidade realizada da forma expressamente prevista na Resolução CVM 160; (iv) a negociação feita em loja, escritório, estabelecimento aberto ao público, página na rede mundial de computadores, rede social ou aplicativo ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação, destinada, no todo ou em parte, a subscritores ou adquirentes indeterminados; e (v) a prática de quaisquer atos descritos nos itens (ii) a (iv) acima, ainda que os destinatários da comunicação sejam individualmente identificados, quando resultante de comunicação padronizada e massificada.
Nos termos da Resolução CVM 160, as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários estão sujeitas a dois tipos de registro, quais sejam (i) ordinário; ou (ii) automático. A aplicabilidade de cada tipo de registro dependerá da natureza do emissor, do tipo de valor mobiliário ofertado, do público destinatário da oferta, da documentação disponibilizada e dos prazos nos quais os valores mobiliários poderão ser revendidos no mercado a investidores. Ainda, com relação ao rito de registro automático, a depender do valor mobiliário a ser ofertado e do tipo de investidor acessado, a regra dispensará a análise prévia pela CVM ou permitirá que tal análise seja realizada por entidade autorreguladora autorizada pela CVM nos termos do convênio firmado entre a CVM e referida entidade autorreguladora[8] para fins de análise de requerimento de registro de oferta pública de distribuição.
A captação de recursos é fundamental para o crescimento e desenvolvimento das empresas. Dentre as diversas modalidades existentes, a oferta pública de distribuição primária de ações e o aumento de capital privado se destacam como as mais utilizadas. Neste texto, compararemos essas duas opções, com foco na celeridade do processo.
Uma das principais vantagens que se obtém ao captar recursos via uma oferta pública de distribuição primária de ações no mercado de capitais é a celeridade com que um emissor consegue iniciar e concluir o processo em comparação com o cronograma esperado para um aumento de capital privado. [9] Isso ocorre, em grande parte, por conta do prazo previsto para o exercício do direito de prioridade regulado nos termos do artigo 53, parágrafo 1º da Resolução CVM 160,[10] que é mais curto quando comparado com o prazo mínimo exigido para o direito de preferência previsto no artigo 171, parágrafo 4º da Lei das S.A.[11] A tabela abaixo fornece uma base de comparação entre as opções de capitalização de que se trata:
Aumento de Capital Privado | Oferta Pública de Distribuição de Ações | |
---|---|---|
Prazo do Direito de Preferência ou Prioridade | Não inferior a 30 dias (Direito de Preferência) | Não inferior a 5 dias úteis (Direito de Prioridade) |
Potenciais Adquirentes | Somente Acionistas | Acionistas, Investidores Profissionais e Estrangeiros (QIBs) |
Formação de Preço | Requisitos do Art. 170, §1º da Lei das S.A. | Na maioria das vezes, por meio de bookbuilding |
Esforços de Colocação no Exterior | Não | Sim, de acordo com a Rule 144A e Regulation S |
Necessidade de Atualização do Formulário de Referência | Apenas após a efetivação do aumento de capital e somente as seções relacionadas ao capital social | Atualização integral do Formulário de Referência com as últimas informações contábeis disponíveis |
Visibilidade da Companhia ao Mercado | Inferior, pelo fato de inexistir roadshow e ser uma operação privada | Superior, pois existem bancos fazendo marketing da Companhia |
Principais Normas a serem Observadas | Lei das S.A. Resolução CVM 80 Resolução CVM 81 |
Lei das S.A. Resolução CVM 80 Resolução CVM 160 Regulamento do Segmento de Listagem da B3 |
Como resultado do atual cenário macroeconômico, percebeu-se que tanto no Brasil quanto mundo afora o volume de oferta de ações reduziu de maneira relevante, de modo que a última oferta pública inicial de distribuição de ações (initial public offering of shares ou IPOs) no Brasil foi realizada no fim de 2021, o que representa um jejum de três anos sem IPOs no Brasil.
O cenário atual apresenta diversos desafios para a captação de recursos via uma oferta pública de distribuição de ações e, por este motivo, nos defrontamos com algumas estruturas interessantes e que têm sido utilizadas em alguma medida ao longo destes últimos anos, conforme abaixo apresentadas:
Ancoragem em Ofertas de Ações
Especificamente em relação à participação de um investidor âncora nos IPOs e follow-ons, estratégia que tem sido cada vez mais utilizada, o Colegiado da CVM assim se manifestou em 2021:[13]
Por fim, nos trechos a seguir, apresentamos alguns dos principais benefícios percebidos tanto para a oferta como um todo, quanto para o investidor que assume a ancoragem da oferta.
Benefícios para a oferta
Benefícios para o investidor âncora
Este artigo foi elaborado por Fernando John Friedmann Junior, sócio nas áreas Finanças Estruturadas e Securitização, Mercado de Capitais e Regulatório de Companhias Abertas e Societário.
Se você tiver alguma dúvida ou quiser continuar a conversa acerca de qualquer dos aspectos aqui debatidos, entre em contato conosco por meio do e-mail comunicacao@pinheiroguimaraes.com.br.
[1] Mercado de capitais brasileiro aumentou quatro vezes em 25 anos. Divulgado em dezembro de 2022 e disponível em anbima.
[2] Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
[3] Lei n.º 6.385, de 7 de dezembro de 1976.
[4] Em julho de 2022, a Instrução CVM 400 foi revogada pela Resolução CVM 160.
[5] Em março de 2022, a Instrução CVM 480 foi revogada pela Resolução CVM 80.
[6] Ib idem. Mercado de capitais brasileiro aumentou quatro vezes em 25 anos.
[7] B3. Uma Análise da Evolução dos Investidores Pessoas Físicas na B3. Divulgado em abril de 2020 e disponível em B3
[8] Nesta data, a ANBIMA é signatária de um convênio com a CVM e detém autorização para a condução das análises prévias das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários na forma da Resolução CVM 160.
[9] Para este caso específico, estamos analisando apenas uma oferta pública de ações distribuída exclusivamente para investidores profissionais e cujas ações sejam emitidas por um emissor que já tenha o registro de emissor de valores mobiliários e assumindo que referidas ações já estejam autorizadas para negociação junto a B3.
[10] “Art. 53. Nos casos de oferta pública em que exista restrição de público-alvo que implique risco de diluição para atuais detentores do valor mobiliário objeto da oferta, deve ser concedida prioridade aos atuais detentores dos valores mobiliários sem quaisquer restrições, observado o disposto no § 2º deste artigo. § 1º Na hipótese do caput deste artigo, o cronograma previsto das etapas da oferta e a forma de exercício do direito de prioridade devem: I – ser amplamente divulgados nos documentos da oferta; e II – prever um prazo de, no mínimo, 5 (cinco) dias úteis antecedentes ao término do prazo de reservas ou de subscrição para que os atuais detentores dos valores mobiliários possam exercer o direito de prioridade em tempo hábil.” (grifo nosso)
[11] “Art. 171. Na proporção do número de ações que possuírem, os acionistas terão preferência para a subscrição do aumento de capital. § 4º O estatuto ou a assembléia-geral fixará prazo de decadência, não inferior a 30 (trinta) dias, para o exercício do direito de preferência.” (grifo nosso)
[12] Sobre este precedente, inclusive, interessante se fazer leitura das decisões do Colegiado da CVM realizadas no contexto dos Processos RJ2014/3380 e RJ2014/12977 para um melhor entendimento da estrutura da oferta e consequências posteriores em decorrência do exercício da opção de venda pelos investidores que adquiriram ações no âmbito do IPO de Biosev e consequente aumento de participação societária pelo outorgante de referidas opções.
[13] PROC. SEI 19957.006485/2021-15 (IPO Comerc).
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