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Mútuo por instituição não financeira: qual o limite dos juros remuneratórios?

O Código Civil estabelece que os juros remuneratórios nos contratos de mútuo entre instituições não-financeiras não podem exceder “a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” (art. 406, cumulado com o art. 591).

 

Ao adotar esse conceito jurídico aberto, surgiram duas intepretações sobre qual seria a taxa de juros legais. Uma que entendia que se referia à taxa Selic. Outra que aplicava o Código Tributário Nacional para determinar que a taxa legal de juros deveria corresponder a 1% ao mês.

 

Em 2002, antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil, foi promovida a I Jornada de Direito Civil pelo Conselho da Justiça Federal, com o objetivo de orientar a interpretação dos tribunais e operadores de direito quanto a certos artigos do Código Civil. Naquela oportunidade, editou-se o enunciado n.º 20, que, ao interpretar o artigo 406 do Código Civil, recomendou que a taxa legal de juros deveria corresponder a 1% ao mês, pois a utilização da taxa Selic como índice de apuração dos juros apresentaria fragilidades jurídicas.

 

Isso porque a taxa Selic contempla juros e correção monetária amalgamados em sua composição, não comportando, portanto, cumulação com outros índices de correção ou de juros de mora. Dessa premissa decorrem algumas razões para a recomendação feita pela I Jornada de Direito Civil:

(i) a taxa Selic oscila, denotando a sua imprevisibilidade;
(ii) não é possível calcular separadamente juros e/ou correção monetária no índice da taxa Selic;
(iii) a taxa Selic seria incompatível com a regra do artigo 591 do Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros; e
(iv) a taxa Selic seria incompatível com o então artigo 192, §3°, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% ao ano.

 

Após discussões doutrinárias e jurisprudenciais, em 2009, o STJ parecia ter resolvido a controvérsia. Entendeu, na oportunidade, que os juros legais se referiam à taxa Selic (Resp n.º 1102552/CE). Ocorre que, mesmo após esse julgamento, o próprio STJ, em diversos julgados, continuou a adotar a taxa de 1% ao mês para os juros moratórios ou remuneratórios, em causas envolvendo pessoas privadas.

 

Essa oscilação do STJ tende a ser pacificada pela Corte Especial quando do julgamento do Resp n.º 1795982/SP, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, que definirá como as dívidas cíveis serão corrigidas: pela taxa Selic ou pela aplicação de juros no patamar fixo de 1% ao mês.

 

O julgamento está em curso e já foram proferidos 4 votos, sendo dois a favor da aplicação da taxa de juros de 1% ao mês (Ministros Luis Felipe Salomão e Humberto Martins) e dois a favor da aplicação da taxa Selic (Ministros Raul Araújo e João Otávio de Noronha). Na sessão de julgamento, verbalmente foi dito que a Ministra Nancy Andrighi teria votado favoravelmente à aplicação da taxa Selic e o Ministro Herman Benjamin teria se posicionado a favor da aplicação da taxa de juros de 1% ao mês, mas referidos votos ainda não foram lidos e computados.

 

O resultado desse julgamento tem o condão de impactar não só os limites dos juros remuneratórios em contratos entre instituições não financeiras, mas também poderá impactar o valor envolvido na grande maioria dos processos judiciais em curso. Isto porque muitos tribunais, incluindo o Tribunal de Justiça de São Paulo, adotam o posicionamento majoritário de juros moratórios de 1% ao mês mais correção monetária. Se o STJ definir pela aplicação da taxa Selic, os valores de contingência e os valores de execuções sofrerão um relevante impacto. Da mesma forma, setores da economia, como, por exemplo, o de seguros, que costumeiramente precificam a sua contingência adotando juros moratórios pela taxa Selic, serão impactados enormemente se o STJ definir pela aplicação da taxa de juros moratórios a 1% ao mês.

 

Atualmente, o Resp n.º 1795982/SP encontra-se em vista coletiva para análise dos demais ministros. Após alguns adiamentos, o processo foi novamente pautado para julgamento no dia 23.11.2023, às 14h.

 

Este artigo foi elaborado por Daniel Shingai, advogado da área de Contencioso Cível e Arbitragem.


   

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