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STJ emitiu uma decisão importante sobre a liberação de garantias no plano de recuperação judicial. Entenda os principais pontos abordados e suas implicações.
Muito embora o acórdão tenha sido disponibilizado em seu inteiro teor apenas recentemente, ele se refere a sessão de julgamento ocorrida em 12 de maio de 2021, em que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ“), composta pelas Terceira e Quarta Turmas, entendeu, por maioria de votos (5 votos a 4), que
(a) “a cláusula que estende a novação aos coobrigados é legítima e oponível apenas aos credores que aprovaram o plano de recuperação sem nenhuma ressalva, não sendo eficaz em relação aos credores ausentes da assembleia geral, aos que abstiveram-se de votar ou se posicionaram contra tal disposição“; e
(b) “a anuência do titular da garantia real é indispensável na hipótese em que o plano de recuperação judicial prevê a sua supressão ou substituição“.
Trata-se do recurso especial (“REsp“) n.° 1.794.209/SP, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cuevas, interposto contra acórdão proferido pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP“), que reformou decisão homologatória de plano de recuperação judicial, para afastar a cláusula que previa a desconsideração das garantias fidejussórias e reais em razão da novação dos créditos.
Dentre outros argumentos, as recorrentes em recuperação judicial alegaram que
(a) o plano foi aprovado pela maioria dos credores;
(b) a assembleia geral de credores é soberana;
(c) a previsão, no plano de recuperação judicial, de alteração das condições das obrigações anteriores ao pedido de recuperação judicial encontra respaldo no art. 49, §2°, da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (“LRF“); e
(d) há dissídio jurisprudencial entre o acórdão proferido pelo TJSP e o acórdão proferido pela Terceira Turma do STJ, nos autos do REsp n.° 1.532.943/MT, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/9/2016.
A despeito da argumentação das recuperandas, o relator decidiu rejeitar o recurso especial interposto, sob os fundamentos de que:
(a) obrigação é termo que não se confunde com garantia, de modo que, para regulação das garantias fidejussórias e reais, não se deve observar o disposto no art. 49, §2°, da LRF, mas o disposto, respectivamente, nos arts. 49, §1°, da LRF e 50, §1°, da LRF – que “não tem como objetivo somente garantir a inserção do credor na classe dos credores com direito real no caso de descumprimento do plano e decretação da quebra mas, sim, de manter suas garantias nos termos originariamente contratados para o caso de execução do plano de recuperação judicial ou decretação da falência“;
(b) a Segunda Seção do STJ já sedimentou, em sede de recurso repetitivo, o entendimento de que as garantias reais “só serão suprimidas ou substituídas ‘mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia’, por ocasião da alienação do bem gravado (art. 50, § 1°)” (vide REsp n.° 1.333.349/SP, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 26/11/2014);
(c) a supressão das garantias por votação da maioria enseja o tratamento diferenciado entre os credores, se levado em consideração o fato de que, na maioria das vezes, a perda da garantia é imposta a apenas alguns dos credores; e
(d) a segurança jurídica proporcionada pelas garantias exerce papel fundamental na economia do país, sendo o enfraquecimento das garantias conflitante com o próprio espirito da LRF e as novas provisões de financiamentos trazidas com a sua reforma.
Além desses fundamentos, o relator também buscou relacionar sua decisão com a recente reforma da LRF, destacando que o Legislador se preocupou em reforçar a preservação das garantias ao
(a) estabelecer o requisito da anuência expressa dos credores titulares de garantias no caso de alteração prevista em plano de recuperação judicial único, apresentado sob o rito da consolidação substancial (vide art. 69-K, §2°); e
(b) dispensar a anuência expressa dos credores titulares de garantia no caso de constituição de garantia subordinada em favor de financiador de empresa em recuperação judicial, única e exclusivamente porque a garantia subordinada “ficará limitada ao eventual excesso resultante da alienação do ativo objeto da garantia original” (vide art. 69-C, §1°).
Por fim, o relator destacou também que eventual alteração jurisprudencial, para fazer prevalecer o entendimento de que possível a supressão ou alteração das garantias por previsão contida em plano aprovado por maioria dos credores, sem que se estabeleça a anuência expressa de cada titular como requisito para tanto, acabará por alterar “significativamente o pêndulo negocial em favor dos credores“. Isso, porque o relator ponderou que, com a reforma da LRF e a possibilidade de os credores apresentarem plano alternativo, na forma do art. 56, §§ 4° ss., será mais benéfico aos credores, sobretudo aos financeiros, se organizarem para rejeitar o plano proposto pelas devedoras e propor plano alternativo, em atenção aos requisitos legais, ainda que isso signifique a inclusão, no plano, de previsão de isenção das garantias pessoais (vide art. 56, §6°, V).
Quanto à divergência jurisprudencial apontada, o relator fez menção ao seu voto vista, vencido, no julgamento dos embargos de declaração opostos contra o acórdão que, com fundamento no princípio majoritário, deu provimento ao REsp n.° 1.532.943/MT, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze.
O voto do Ministro Ricardo Villas Bôas Cuevas foi acompanhado pelos Ministros Antônio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Nancy Andrighi e Raul Araújo, tendo esse último contribuído para a fundamentação do relator ao acrescentar que o art. 6°-C da LRF, incluído com a reforma, também denota a preocupação do Legislador em reforçar a manutenção das garantias fidejussórias e reais.
Em sentido diverso, votaram os Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Paulo de Tarso Sanseverino, vencidos.
O Ministro Marco Aurélio Bellizze, em seu voto vencido, afirmou que, considerando que a concordância individual do titular de garantia fidejussória ou real não encontra previsão legal, deve prevalecer a regra geral do consentimento prevista na LRF, qual seja, o atendimento dos quóruns mínimos legais estabelecidos para o procedimento concursal (vide arts. 37 e 45 da LRF). Trata-se, em síntese, de aplicação do princípio majoritário – tal como sedimentado pela Terceira Turma do STJ (vide REsp n.° 1.532.943/MT, a título de exemplo): uma vez atendido o quórum mínimo legal, a aprovação do plano nas classes II e III (credores com garantia real e credores quirografários, nos quais se incluem os credores detentores de garantia fidejussória) “há de produzir efeitos a todos os seus integrantes, indistintamente“.
Em seus fundamentos, o ministro vencido também ressaltou que
(a) a supressão das garantias fidejussórias não esvazia a via executiva contra os coobrigados, mas apenas a suspende, durante a consecução do plano; e
(b) em caso de descumprimento do plano, será decretada a falência e os “os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas” (vide art. 61, §2°, da LRF).
Em complementação, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que também divergiu do Ministro Relator, destacou que o princípio majoritário “é um dos grandes fundamentos que nortearam a reforma de 2005 [advento da LRF em substituição à antiga Lei de Falências e Concordatas]”.
Por fim, o Ministro Luis Felipe Salomão, parcialmente vencido, sustentou que, para as garantias reais, deve-se aplicar o princípio majoritário, a fim de estender a eficácia da previsão contida no plano a todos os credores da classe II; enquanto para as garantias fidejussórias, deve-se restringir a eficácia da previsão contida no plano àqueles que votaram favoravelmente ao plano ou que consentiram expressamente com a respectiva cláusula, por força do art. 49, §1°, da LRF.
Para acessar a íntegra do recurso especial n.° 1.794.209/SP, decisão do STJ sobre a liberação de garantias no plano de recuperação judicial, clique aqui.
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