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Em decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) do dia 11.9, por 6 votos a 1, prevaleceu o entendimento do Relator, Ministro Sergio Kukina, concluindo que as opções de compra de ações ou stock options, como normalmente referidas, não possuem natureza remuneratória para fins de incidência de Imposto de Renda da Pessoa Física. De acordo com a decisão, que possui efeitos vinculantes à administração pública e aos tribunais de todo o país, as stock options não constituem remuneração, mas sim um contrato mercantil, se sujeitando à incidência do imposto de renda apenas na forma de ganho de capital quando da posterior venda das ações pela pessoa física.
Em dezembro de 2023, o STJ havia decidido destacar o tema para avalia-lo como recurso repetitivo (Tema 1.226), pretendendo assim criar jurisprudência, resolvendo os divergentes posicionamentos existentes sobre o tema das stock options, que geravam riscos para a segurança jurídica e isonomia.
Neste sentido, a 1ª Seção do STJ decidiu, por unanimidade, vincular dois recursos especiais (REsps. 2.069.644 e 2.074.564), e definir a natureza jurídica dos planos de opção de compra de ações, se remuneratórios ou mercantis, bem como a tributação aplicável, incluindo a determinação da alíquota pertinente e do momento da tributação.
Em paralelo, o tema das stock options também era discutido na esfera legislativa. Em Novembro de 2022, foi proposto no Senado Federal novo projeto de lei n.º 2.724 (“Projeto de Lei” ou “Marco Legal das Stock Options“), tratando das stock options.
Em Agosto de 2023, o Projeto de Lei foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, e em setembro do mesmo ano encaminhado para apreciação pela Câmara dos Deputados.
O Projeto de Lei segue aguardando apreciação pela Comissão do Trabalho da Câmara dos Deputados, tendo sido apensado a dois outros projetos (286/2015 e 4.153/2021) que também tratam das stock options. Contudo, estes projetos mais antigos, ao invés de proporem uma nova regulamentação específica, como no caso do Marco Legal das Stock Options, visam regulamentar o tema por meio de alterações à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
A regulamentação das stock options é muito bem-vinda, dado que atualmente o arcabouço jurídico brasileiro possui previsões escassas sobre o tema. E, juntamente com a decisão do STJ, fixando seu entendimento sobre a natureza das stock options, se alinhando ao posicionamento que já vinha sendo consolidado pelos tribunais trabalhistas, a expectativa é de que se tenha mais segurança jurídica para as partes contratantes.
A decisão do STJ e a futura tramitação do Marco Legal das Stock Options certamente impactam, não somente os planos de stock options em vigor, mas também as decisões das instituições de adotar ou não novos planos de stock options.
Passamos então ao detalhamento das propostas do Marco Legal das Stock Options, e como esta regulamentação resolve as lacunas e controvérsias atualmente existentes no âmbito das stock options.
Talvez a maior controvérsia acerca das stock options seja sobre sua natureza jurídica, se mercantil ou remuneratória. Em linha com a decisão do STJ, o Projeto de Lei determina que, observadas as regras e condições do referido normativo, as stock options são consideradas de natureza mercantil, não constituindo base para incidência de qualquer encargo trabalhista, previdenciário ou fiscal.
Já a Receita Federal entende que a outorga das stock options seria rendimento do trabalho e, portanto, sujeito ao Imposto sobre a Renda Retido na Fonte e à incidência das Contribuições Previdenciárias e de Terceiros.
O Projeto de Lei, em linha com o posicionamento do STJ, resolve não somente a natureza mercantil e, portanto, a não incidência dos encargos trabalhistas, previdenciários e fiscais, como também o fato gerador da tributação aplicável, ao fixar que o imposto de renda será devido sobre eventual ganho auferido pelo beneficiário no momento da alienação da participação societária. O ganho fica determinado pelo Projeto de Lei como a diferença positiva entre o valor da venda e o valor econômico de liquidação quando do exercício da opção, admitida a dedução de eventual prêmio, custos e despesas incorridos, necessários à realização das operações.
Seguindo na avaliação do Projeto de lei, já em seu primeiro artigo temos a definição do que são as stock options e de quais entidades podem se utilizar de tal mecanismo, com a importante adição expressa das sociedades limitadas. Apesar das stock options já serem utilizadas por sociedades limitadas, isto é feito por aplicação subsidiária da Lei das S.A., uma vez que não há previsão legal expressa para as sociedades limitadas.
Outrossim, não se pode esquecer as peculiaridades de cada entidade outorgante de stock options, como, por exemplo, as sociedades anônimas poderão liquidar as opções por meio de ações em tesouraria ou emissão de novas ações, por deliberação da Assembleia ou do Conselho de Administração, caso haja capital autorizado. Já as sociedades limitadas dependerão da deliberação de seus sócios para aumento de capital e liquidação das stock options com novas quotas. À primeira vista pode parecer apenas uma questão de adequação a formalidades, contudo, a estrutura das sociedades anônimas oferece alternativas para liquidação das opções que não dependem da deliberação dos acionistas, importando assim em mais segurança para os detentores de stock options.
Atualmente, a Lei das S.A. prevê que as stock options podem ser outorgadas para administradores, empregados ou pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle. O Projeto de Lei amplia este rol de potenciais beneficiários das stock options em dois aspectos: (i) expressamente incluindo trabalhadores, terceirizados e colaboradores, além dos administradores e empregados; e (ii) não restringindo o tipo de vínculo do beneficiário à prestação de serviços, prevendo que independe a natureza da relação jurídica entre outorgante e beneficiário, desde que atuando em prol do crescimento da empresa, de suas atividades e seus resultados.
Neste aspecto, há de se questionar se a intenção do legislador foi incluir não apenas a pessoa natural, que presta serviços diretamente, mas também aquela que preste serviços por meio de pessoa jurídica. Resta também discussão sobre a possibilidade de outorga de stock options para parceiros comerciais e fornecedores da instituição outorgante, considerando que tais atuam em prol do crescimento da empresa, de suas atividades e seus resultados.
Na prática atual, os planos de stock options comumente identificam os grupos de beneficiários elegíveis à participação no respectivo plano. Contudo, o Projeto de Lei requer que o plano defina de forma específica quem serão seus beneficiários, sem determinar se esta definição estaria abrangida pela indicação do grupo elegível, ou se os beneficiários devem ser indicados nominalmente, o que geraria grande restrição à administração da instituição outorgante dos stock options.
O Projeto de Lei define alguns elementos intrínsecos às stock options, alguns deles obrigatórios para que sejam caracterizadas como de natureza mercantil, nos termos do referido normativo.
O primeiro elemento, que já figura nos planos atualmente adotados é a outorga de um direito que somente pode ser exercido se cumpridas determinadas condições. O beneficiário do plano de stock options não possui direitos de acionista / sócio da entidade outorgante do plano. O beneficiário somente adquire tais direitos após o efetivo exercício das opções, o que por sua vez somente pode acontecer quando devidamente cumpridas todas as condições previstas no plano para tanto.
Uma das condições que o Projeto de Lei indica como obrigatória é o vesting ou período de carência de, pelo menos, 12 (doze) meses. Ou seja, o transcurso de um período mínimo de 12 (doze) meses entre a outorga da opção e/ou celebração do contrato de opção de compra de ações, e a possibilidade de seu exercício. O vesting já é prática adotada nos planos de stock options atuais, contudo, a fixação de um prazo mínimo, sem flexibilidade, pode gerar engessamento desnecessário, ocasionando a perda de oportunidades para exercício de stock options, e eventual alienação das ações decorrentes, como eventos de liquidez extraordinários.
O Projeto de Lei prevê também a necessidade de que a adesão dos beneficiários aos planos de stock options e o efetivo exercício das stock options sejam voluntários.
Segundo o Projeto de Lei os planos de stock options deverão prever um período de lock up, durante o qual o beneficiário não pode transferir ou alienar, sob qualquer forma, a participação societária adquirida em decorrência do exercício das stock options. A previsão é de que este período seja de 12 (doze) meses, contados do efetivo exercício da opção pelo beneficiário, salvo decisão específica em contrário da entidade outorgante. A figura do lock up já é comumente utilizada, mas na prática os períodos adotados variam muito, via de regra sendo pautados nas especificidades da entidade que outorgou as stock options e suas perspectivas corporativas.
Outra característica indicada pelo Projeto de Lei como obrigatória para a configuração da natureza mercantil das stock options é a onerosidade, ou seja, o pagamento de contrapartida pelo beneficiário, seja na outorga das stock options, seja no efetivo exercício das stock options ou em ambos os momentos. O preço a ser pago pelo beneficiário não precisa refletir o preço de mercado da participação acionária objeto das stock optios, podendo ser fixado em bases mais vantajosas para o beneficiário.
Neste aspecto, apresenta-se potencial problema visto que o Projeto de Lei não indica com clareza o que seriam estas bases mais vantajosas para o beneficiário, deixando grande margem para interpretação no que diz respeito à precificação das stock options, bem como quanto ao limite destas bases mais vantajosas de forma a não se descaracterizar o caráter oneroso das opções.
Ainda no que diz respeito à precificação das stock options, o Projeto de Lei prevê que o preço fixado em plano pode ser atualizado monetariamente e que seu pagamento pode ser realizado por meio de créditos do beneficiário com a entidade outorgante decorrentes de (i) gratificação anual, paga na forma de bônus ou PLR; e (ii) dividendos ou juros sobre o capital próprio, que sejam pagos pela entidade outorgante. Estas são disposições do Projeto de Lei que positivam alternativas já adotadas atualmente. Resta então a pergunta se o rol seria taxativo ou exemplificativo, podendo qualquer crédito do beneficiário em face da entidade que outorgue as stock options ser utilizado para quitação do referido preço.
Importante previsão do Projeto de Lei, inclusive para a caracterização da natureza mercantil das stock options, é que a oscilação do preço de mercado da participação acionária não implica qualquer obrigação de ressarcimento ou indenização por parte da entidade outorgante ao beneficiário, sendo este um dos riscos de mercado assumidos pelo beneficiário.
O beneficiário poderá exercer total ou parcialmente suas stock options, e aquelas não exercidas nas condições do respectivo plano são de pleno direito perdidas pelo beneficiário. Tais stock options e as participações societárias que serviam de lastro para as mesmas poderão ser reutilizadas e redirecionadas pela entidade outorgante para novos beneficiários no mesmo plano ou no âmbito de novo plano.
O plano de stock options deverá ser aprovado pela instância decisória mais elevada da entidade outorgante e a aprovação deverá ser objeto de fato relevante, no caso de companhias abertas. O Conselho de Administração ou, se este inexistir, a Diretoria, será responsável pela administração do plano, em especial a efetiva outorga das opções e celebração dos respectivos contratos.
Como mencionado, a celebração dos contratos de outorga das stock options é passo relevante para concretização do negócio, sendo certo que o contrato deverá prever, dentre outras condições estabelecidas pela entidade outorgante: (i) a adesão do beneficiário ao plano; (ii) o número de opções objeto do contrato e participação societária equivalente a que o beneficiário fará jus; (iii) o prazo para exercício das opções; (iv) o preço a ser pago por opção e/ou pelo seu exercício; (v) o período lock up; (vi) possibilidade de recompra das opções ou ações pela empresa, respeitada a autonomia das partes contratantes.
Duas outras condições para exercício e/ou outorga das stock options são consideradas como possibilidades pelo Projeto de Lei, sem que gerem descaracterização da natureza mercantil, sendo elas: o cumprimento de períodos mínimos de vínculo com a entidade outorgante e o cumprimento de metas individuais ou coletivas. Ambas as condições já são comumente adotadas em planos de stock options.
Feitos estes esclarecimentos a respeito da atual redação do Projeto de Lei, e eventuais discussões que podem decorrer de suas previsões, cumpre identificarmos algumas lacunas que podem gerar confusão e controvérsia na aplicação do normativo.
Apesar de presente na justificativa do Projeto de Lei, a redação do normativo em si não traz a previsão de que as stock options são intransferíveis, disposição relevante, em especial para a entidade outorgante.
O Projeto de Lei expressamente trata das stock options, mas, como se sabe, há diversos outros instrumentos utilizados como incentivos de longo prazo baseados em participações societárias (Phantom Shares, PSU, RSU, Matching, …), os quais não são mencionados no normativo e continuam sem possuir regulamentação específica.
Outro silêncio do Projeto de Lei é a necessidade, ou não, dos planos de stock options em vigor se adequarem ao normativo, uma vez em vigência, e, caso seja necessário, qual seria o prazo para tanto.
Não se tem no Projeto de Lei a definição das consequências para o plano de stock options e os respectivos outorgante e beneficiário, da não observação do normativo, uma vez em vigor. Não há clareza sobre os efeitos práticos de eventual inobservância.
Maior segurança jurídica sobre o tema das stock options é medida relevante para o mercado, podendo levar a um aumento no número de planos e, possivelmente, à migração de outros formatos de planos de incentivos de longo prazo, que sejam mais custosos para as entidades outorgantes.
Em qualquer caso, visando tal segurança jurídica, é indispensável que a estruturação dos planos e contratos de stock options e outros mecanismos de incentivo de longo prazo para executivos seja realizada de maneira técnica, com observância às condições que embasaram as recentes decisões do STJ e da justiça do trabalho.
Este artigo foi elaborado por Luiza Rosario, advogada nas áreas de Fusões e Aquisições, Private Equity e Venture Capital e Mercado de Capitais.
Se você tiver alguma dúvida ou quiser continuar a conversa acerca de qualquer dos aspectos aqui debatidos, entre em contato conosco por meio do e-mail comunicacao@pinheiroguimaraes.com.br.
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